O socialismo científico é uma doutrina política que se situa a esquerda do espectro político, fundamentando-se no pensamento filosófico de Karl Marx e de Friedrich Engels, e na sua interpretação realizada por Vladimir Lênin e demais revolucionários bolcheviques, que fizeram na Rússia, a primeira revolução socialista da história.
Segundo o pensamento marxista, a luta de classes é o motor que move a história, ou seja, a luta das classes dominadas contra as classes dominantes resulta em uma revolução social, promovendo a mudança dos meios de produção e assim gerando uma nova sociedade. Na atual sociedade capitalista, a luta de classes do proletariado contra a burguesia resultará em uma revolução socialista, destruindo o capitalismo e construindo uma nova sociedade, onde o proletariado se tornará a classe dominante, socializando os meios de produção e assim abrindo caminho para a construção de uma sociedade sem classes, onde o Estado se tornará desnecessario. Dessa forma chegaria ao fim a exploração do homem pelo homem. Essa nova sociedade surgida após a revolução, será o socialismo, fase intermediária que resultará na sociedade sem classes, ou seja, a sociedade comunista.
O revolucionário marxista Vladimir Lênin defendia a realização da revolução socialista em países capitalistas atrasados, como era o caso da Rússia semi-feudal dos czares, desenvolvendo o conceito do partido revolucionário como vanguarda do proletariado, e fundando o bolchevismo. O pensamento marxista clássico afirmava que a revolução socialista ocorreria primeiro em sociedades capitalistas desenvolvidas, como a Alemanha ou França, mas Lênin afirmava que em sua fase imperialista, o capitalismo sofreria revoluções iniciadas nos elos fracos de sua correia, que depois iriam se expandir para as sociedades desenvolvidas. Ou seja, a revolução na Rússia seria o estopim de uma revolução socialista mundial, que acabaria atingindo a Alemanha e o resto da Europa.
Em 25 de outubro de 1917(segundo o calendário juliano, pois segundo o calendário gregoriano foi em 7 de novembro), ocorreu na Rússia, a primeira revolução socialista da história. Os revolucionários bolcheviques derrubaram o governo provisório e o poder passou para as mãos do Congresso de Sovietes de Toda Rússia, que formou o Conselho de Comissários do Povo, presidido por Vladimir Lênin.
O governo soviético promoveu a transformação radical da sociedade russa, desapropriando a burguesia. O novo regime socialista estatizou as fábricas e bancos, promoveu uma reforma agrária radical e tirou a Rússia da Primeira Guerra Mundial.
"A Revolução Russa eliminou todas as leis czaristas que reprimiam a homossexualidade e que eram 'contraditórias com a consciência e a legalidade revolucionária'. Em 1923, um renomado médico de Moscou aprovava um novo código legal dizendo: 'A legislação soviética se baseia no seguinte principio: declara uma total ausência de interferência do estado e da sociedade nos assuntos sexuais, sempre e quando não sejam afetados os interesses de nenhuma outra pessoa'”. (Andrea D`Atri; em "O socialismo e a questão homossexual")
Entretanto o socialismo soviético acabou sofrendo uma grave degeneração, após Josef Stalin assumir o poder absoluto no final dos anos 20, estabelecendo uma ditadura totalitaria responsável pela morte de cerca de 20 milhões de soviéticos. Esse regime arbitrário e burocrático, longe de acabar com a exploração do homem pelo homem, resultou no surgimento de uma casta privilegiada de burocratas que agia como uma nova classe dominante, oprimindo o proletariado e o campesinato. Inclusive revogou as leis que davam direitos iguais aos homossexuais, que passaram a ser tratados como "contra-revolucionários". Isso acabou resultando no colapso do regime socialista no final dos anos 80.
"Um olhar retrospectivo sobre o século passado não pode se omitir sobre o trágico legado do stalinismo. A esquerda em especial não tem o direito de ignorá-lo. Tal herança pesa como um fardo sobre ela, mesmo já havendo uma alentada produção teórica de condenação dos anos em que Stalin esteve à frente da URSS, principalmente após o final dos anos 20 e até sua morte, em 1953. (...)
Para a esquerda, é necessário resistir à tentação de refugiar-se num tempo de ouro, na nostalgia de um tempo feliz, que não existiu, ao contrário. O stalinismo foi um tempo de terror, de esmagamento dos adversários pela violência, marcado pela ausência da política, ao menos se esta for entendida como o reino da liberdade, e não da força bruta.
O stalinismo foi a maior tragédia do povo russo e de todo o povo do Leste Europeu, afora as guerras. Não podemos mais ter receio de afirmar isso. Havia um temor de que isso parecesse diminuir o mérito da resistência do povo soviético ao nazismo. Não diminui. Os vestígios de stalinismo, indícios que sejam, são nefastos, atentados a qualquer idéia de vida democrática."
(Emiliano José; O stalinismo e sua trágica herança)
Apesar de fracassada, a experiência socialista na URSS e no Leste Europeu teve a importância histórica de representar uma alternativa de sociedade pós-capitalista, onde ocorreu a desapropriação da burguesia, buscando acabar com a exploração do homem pelo homem. Mesmo com todos os crimes promovidos pelo stalinismo, essa primeira experiência socialista conseguiu transformar a Rússia semi-feudal dos czares em uma superpotência nuclear, que ameaçou a hegemonia mundial dos EUA, inclusive dando inicio ao programa espacial da humanidade, lançando o primeiro satélite artificial, o Sputnik, em 1957, e colocando o primeiro homem no espaço, o major Yuri Gagarin, em abril de 1961.
A esquerda socialista precisa ser anti-stalinista, precisa deixar claro que ditaduras totalitarias de partido único, culto a personalidade e outras barbaridades que caracterizaram o socialismo oriundo da tradição stalinista, não tem nenhuma relação com o marxismo. Aquele socialismo que existia na antiga URSS, não é em hipótese alguma o socialismo que os marxistas autênticos querem construir. Inclusive em dezembro de 1922, ou seja, três meses antes de sofrer o terceiro derrame que o deixou inconsciente até sua morte, ocorrida em janeiro de 1924, o revolucionário Vladimir Lenin escreveu uma carta onde criticava Stalin, solicitando a sua demissão do cargo de secretário geral do Partido Comunista da Rússia(bolchevique), recomendando alguém que fosse mais leal e tolerante para o cargo. Lênin pretendia apresentar essa carta no congresso do partido, mas não pode faze-lo por causa do derrame.
"Me refiro à estabilidade como garantia contra a ruptura em um futuro próximo, e tenho a proposta de colocar aqui várias considerações de índole puramente pessoal. Creio que o fundamental no problema da estabilidade, desde este ponto de vista, são tais membros do CC como Stálin e Trotsky. As relações entre eles, a meu modo de ver, encerram mais da metade do perigo desta divisão que se poderia evitar, e a cujo objetivo deveria servir entre outras coisas, segundo meu critério, a ampliação do CC a 50 ou até 100 membros.
O camarada Stálin, tendo chegado ao Secretariado Geral, tem concentrado em suas mãos um poder enorme, e não estou seguro que sempre irá utilizá-lo com suficiente prudência. Por outro lado, o camarada Trotsky, segundo demonstra sua luta contra o CC em razão do problema do Comissariado do Povo de Vias de Comunicação, não se distingue apenas por sua grande capacidade. Pessoalmente, embora seja o homem mais capaz do atual CC, está demasiado ensoberbecido e atraído pelo aspecto puramente administrativo dos assuntos(1). Estas características de dois destacados dirigentes do atual CC podem levar sem querer-lo à ruptura, e se nosso Partido não toma medidas para impedir-lo, a divisão pode vir sem que se espere.
Não seguirei caracterizando aos demais membros do CC por suas características pessoais. Recordarei apenas que o episódio de Zinoviev e Kamenev em Outubro(2) não é, naturalmente, uma casualidade, e que se disto não se pode culpar pessoalmente, tão pouco a Trotsky pelo seu não bolchevismo.(3)(...)
Stálin é brusco demais, e este defeito, plenamente tolerável em nosso meio e entre nós, os comunistas, se coloca intolerável no cargo de Secretário Geral. Por isso proponho aos camaradas que pensem a forma de passar Stálin a outro posto e nomear a este cargo outro homem que se diferencie do camarada Stálin em todos os demais aspectos apenas por uma vantagem a saber: que seja mais tolerante, mais leal, mais correto e mais atento com os camaradas, menos caprichoso, etc. Esta circunstância pode parecer fútil tolice. Porém eu creio que, desde o ponto de vista de prevenir a divisão e desde o ponto de vista do que escrevi anteriormente sobre as relações entre Stálin e Trotsky, não é uma tolice, ou se trata de uma tolice que pode adquirir importância decisiva."
(Trecho da Carta de Lênin ao XIII Congresso do Partido Comunista da Rússia(bolchevique))
(1) Lenin, no seu Testamento Político, fala de Trotsky como "o homem mais capaz do presente Comitê Central", mas deplora suas tendências autoritárias (nas palavras de Lenin, "sua tendência a abordar as questões apenas pelo lado administrativo").
(2) Zinoviev e Kamenev colocaram-se contra a tentativa de insurreição que resultaria na Revolução de Outubro de 1917 nas instâncias do Partido Bolchevique.
(3) Até 1917 Trotsky não ingressara nas fileiras do Partido Bolchevique, e conservava profundas divergências com os mesmos.
Autor: Marcelo Neuschwang Sancho; professor de filosofia da rede pública estadual do Rio de Janeiro, apaixonado por história e ciência política.